Editorial julho/2004
O SURREALISMO FAZENDÁRIO
As recentes repercussões
jornalísticas acerca da aprovação
do projeto de Lei 63/2003, a qual autoriza o Poder Executivo
a equiparar a remuneração de nossa categoria
com a de Fiscal de Rendas, lembra um pouco o simbólico
mundo de Alice no País dos Espelhos, de Lewis
Carrol, dada a absurda inversão de papéis
e valores. A memória infantil de cada um de nós
há de lembrar que , nessa história, Alice
entra num fantástico e paradoxal mundo, depois
de tragada pelo espelho. Entre tantas passagens, existe
a seguinte :
-Eu não sei o que você
quer dizer com glória ? - disse Alice.
Humpty Dumpty, (um simpático e personificado
ovo de dinossauro) sorriu com desdém:
-É claro que não, até que eu lhe
diga. Significa :" há um belo argumento
decisivo para você"
-Mas glória não significa "um belo
argumento decisivo para você".
-Quando EU uso uma palavra - disse Humpty Dumpty, num
tom de deboche - , ela significa apenas aquilo que eu
quero que signifique, nem mais , nem menos.
-A questão é - disse Alice - se você
pode fazer com que as palavras signifiquem tantas coisas
diferentes.
-A questão é - disse Humpty Dumpty - quem
é o senhor, e isso é tudo!
Embora o trecho transcrito acima
constitua a mais pura literatura infantil, ele é
absolutamente verossímil, retratando com alto
grau de fidedignidade a realidade fazendária.
O fato é que, diariamente,
nos corredores do CASS, passeiam Alices, totalmente
estupefatas, com rotinas patrocinadas por uma lógica
esdrúxula : a convicção de um grupo
de servidores a respeito de sua hegemônica posição
na estrutura da Secretaria, posição essa
que lhes garante o monopólio do entendimento
do fluxo processual e da interpretação
da legislação tributária e estatutária.
Não bastassem os delírios onipotentes
de nossos colegas de trabalho nas repartições,
vimo-los reagirem freneticamente ante a propositura
legislativa de equiparação salarial, a
ponto de influenciarem a mídia e conseguirem,
a despeito da pretensa neutralidade e objetividade jornalísticas,
deflagrar uma verdadeira campanha publicitária
contra a justa reestruturação salarial
proposta pelo vereador João Cabral.
Humpty Dumpty, um personagem
protegido pelo mundo da ficção, indica
o cerne da questão : a tomada de decisão
sobre verdade ou falsidade de proposições
formuladas não se faz pelas lentes democráticas
da justiça e da moralidade. A lógica da
administração pública está
ligada a fatores turbulentos: poder, prestígio
e dinheiro e - tal qual a personagem principal, Alice
- a eles estamos submetidos, a não ser que despertemos,
antes de a Rainha de Copas gritar:
-Cortem-lhes as cabeças !
É nesse mundo institucional
surrealista que vivemos , onde a sentença é
anterior ao julgamento.
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